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Os tomates da rua Conde de Lages

  • Foto do escritor: Melanie Martins
    Melanie Martins
  • 31 de mai. de 2019
  • 6 min de leitura

A lona de listras brancas e vermelhas, usada para fazer sombra, já não estava mais dando conta do sol. Cobrindo parcialmente os cinco balcões da barraca de madeira, a outra parte do tecido colorido já estava fazendo falta. A quinta-feira na rua Conde de Lages, na Lapa do Rio de Janeiro, mesmo com pouco movimento, estava abafada. A luz quente do meio-dia fazia reluzir ainda mais o tom vermelho dos tomates, que, junto dos frutos de quiabo e de jiló, chamava os olhares de quem passava. O calor que saia do asfalto deixava as frutas e legumes brilhantes de suor. Por trás do balcão, braços fortes acostumados com o carregar de caixotes cheios de legumes, pegam um rolo de lona e lançam por sobre a armação de madeira. Com a sombra, as frutas pareceram soltar um suspiro.

Antônio Sérgio Costa Carpinteiro, 61 anos, ou “Sérgio”, como é conhecido, é feirante desde os 21. Porém, a feira nem sempre foi sua primeira opção. Com 18 anos, ele se inscreveu e foi chamado pelo exército. “Eu tinha vontade de ser militar né, que é uma área que você não trabalha muito, se aposenta mais cedo... é mais tranquilo. Mas eu servi no quartel e no tempo que eu fiquei lá eu não gostei não. Soldado rala pra caramba. Ai eu fiquei ‘ah não, quero um negócio mais tranquilo’. Mas aqui é pior do que lá, depois que eu vi isso”. Porém, não foi a desilusão com a vida de soldado que levou Sérgio para a feira. Mas sim, a doença do pai.

Antonio Rosa Carpinteiro, pai de Sérgio, o seu Antônio, é imigrante português e chegou no Brasil com 16 anos. Começou trabalhando na roça com o tio, no Recreio dos Bandeirantes, perto de Vargem Grande. “Meu pai teve problema de cabeça, teve que operar por causa de um tumor. Ele ficou em coma muito tempo mas depois voltou pra feira”. Já com 21 anos, Sérgio deu baixa no quartel e, por ser o mais velho dos três irmãos, começou a trabalhar com o pai. A partir daí, ele foi aprendendo a dinâmica do dia a dia dos feirantes.

“Meu pai ia pra Ceasa 2h da manhã pegar a carga e depois vinha pra feira. Desse jeito, ela fica fresca, porque foi comprada no mesmo dia. De um dia pro outro alguma coisa já estraga. Tive que ir muitas vezes com ele pra ajudar já que na época ele ainda estava meio debilitado”. A Central Estadual de Abastecimento (CEASA) do Rio de Janeiro fica na Avenida Brasil, em Irajá. Lá é o local onde produtores de legumes e pescadores, por exemplo, podem vender sua mercadoria em grande quantidade. Tudo é vendido em caixas e os tipos de alimento são separados por pavilhões. Os compradores, como feirantes, donos de restaurante e revendedores, vão para lá negociar de madrugada por três motivos: o frescor dos alimentos, maior número de opções, tanto de produtos quanto de produtores, e, consequentemente, maior poder de barganha. “A primeira vez que eu fui na Ceasa foi aquela novidade, mas eu gostei. Foi um tumulto danado de madrugada. Mais gente do que tá passando aqui agora na feira. É um corre corre lá dentro, já que a gente compra carga em vários lugares e você precisa fazer isso tudo correndo pra pegar a carga melhor e mais barata. Você ganha dinheiro comprando lá, já que aqui você vai vender, mas lá você tem que tentar conseguir o mais barato. Por isso, a gente corre atrás de preço lá, não aqui. É um corre corre danado a vida de feirante”.

Depois que Sérgio começou a ajudar o pai, fez algumas melhorias, mas o mercado das feiras não se modificou tanto com o passar dos anos. “Depois que entrei fui melhorando algumas coisas. Na época do meu pai era uma barraquinha só, eu já botei umas três ou quatro. Mas desde o início teve pouca modificação”. A arrumação dos legumes na barraca é algo que suma importância na feira: é o que determina se um cliente vai parar para olhar ou não. “Eu arrumo seguindo um pouco o que meu pai fazia. Dei o meu melhoramento, levantando aqui, levantando lá. A gente procura arrumar da melhor forma, enfeitando a mercadoria, porque mercadoria arrumada já é mercadoria meio vendida. Se você jogar de qualquer maneira, o freguês passa e, se estiver feio e mau arrumado, mesmo que o produto esteja bom, ele não para. Funciona igual a frente da loja. Ela tem que estar bem arrumada, colocando as melhores roupas na frente, pra chamar a atenção do freguês”. Tirar a casca de alguns legumes, como a cebola, lavar as mercadorias antes de colocá-las, e escolher o que fica do lado de que são algumas das técnicas que Sérgio aplica no dia a dia para deixar sua “vitrine” arrumada. “Por exemplo, o tomate sempre fica na frente e com um espaço maior, porque tá em quantidade maior e por ser o meu carro chefe. Outra coisa que eu procuro fazer na arrumação é evitar colocar mercadorias que têm uma mesma cor do lado uma da outra. Por exemplo, do lado do tomate eu costumo colocar um ‘verde’ ou uma batata inglesa, que já tem uma cor diferente. Pra não ficar quiabo, jiló... tudo verde, vou diferenciando a cor. Dessa forma, a pessoa já diferencia mais, por causa da separação de cores”.

De acordo com o último censo divulgado pela prefeitura do Rio de Janeiro, em 2014 existiam 197 feiras espalhadas pela cidade. De acordo com um levantamento do jornal O Globo 52% delas se concentravam na Zona Norte. Já os feirantes, eram 462 com licença. Sérgio, hoje, participa de três feiras: no domingo, na Rua da Glória, na segunda-feira no Leblon e na quinta-feira na rua Conde de Lages, na Lapa. “É porque aqui o horário de serviço é muito grande. De duas horas da manhã até cinco horas da tarde você quase não dá atenção para a família. Eu trabalhava uns 6 dias por semana, quando eu comecei”. Apesar de ainda estar fazendo feiras, Sérgio já se aposentou. “Me aposentei mas to aqui ainda. Isso aqui é um vício. E eu gosto muito de lidar com o público, falando com um, com outro. Assim você escuta também, as pessoas falando dos problemas. E a gente aconselha! Tipo um psicólogo da amiga da feira”.

Apesar de mesmo depois de ter se aposentado, continuar trabalhando como feirante, ele não recomenda a atividade para quem está pensando em começar. “Você trabalha muito mas ganha mais também, do que um professor de educação física, por exemplo. Mas trabalha demais: as consequências que eu tenho são dores nas costas e sequelas na coluna. E também é quase não ter tempo pra família. Não dá pra dar atenção, não tem aquele almoço com todo mundo reunido, isso é muito importante ‘pra’ preservar a família, e não aconteceu isso. Já chegava cansado né, e aí não tinha como”. Sérgio diz que também passou por isso com o pai: “ele ia pra roça no Recreio dos Bandeirantes, perto de Vargem Grande. Ele ficava na roça e feira num ritmo parecido com o meu. Por isso, eu também quase não tinha contato com ele. Fui ter depois que dei baixa no quartel, que foi quando ele ficou adoentado e eu tive que vir trabalhar com ele. E foi brabo trabalhar com ele, porque português é meio estourado. Eu levava muito esporro dele. Mas mais tarde você compreende isso. O trabalho deixa assim. Eu sei porque também fiz esse trabalho. É trabalhoso e a pessoa fica nervosa mesmo. Eu compreendi isso e cuidei dele no final, ele teve alzheimer, e nem por isso fiquei revoltado, porque era o jeito dele. O trabalho deixava ele assim”.

“Hoje em dia a feira tá pior. Tem muito supermercado, muito hortifruti, muito sacolão… em cada esquina tem um camelô. A feira caiu muito. Pra quem começa agora, o que é jogo é estudar e persistir”. Segundo Sérgio, não foi a competição que complicou viver como feirante. “Agora, o pessoal (os clientes) querem mais comodidade, querem mais entrega e por aqui ainda não tem muito. Mas meu irmão, que tem duas feiras na Barra (e em Laranjeira), tem muitas entregas. Agora chamam de delivery. E tem mais freguês por esse sistema”.




 
 
 

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